Autores: Felipe Nassau, Caito Mohara, Eduardo Gagliardi, Kaio Ferreira, Samuel Costa, André Santos e Tiago Machado
Resumo em tópicos
- Ligamento cruzado anterior (LCA) é um dos mais comumente lesionados no esporte.
- O tratamento cirúrgico depende do grau de comprometimento da estrutura articular.
- Lesões ligamentares podem induzir a deterioração do tecido cartilagenoso.
- Alteram a sincronia entre o sistema nervoso e o sistema muscular.
- Cirurgias que utilizam tendões dos músculos posteriores da coxa são mais aceitas pela literatura científica.
-
Em casos de lesão do Ligamento colateral medial (LCM) é consenso que o
treinamento deve iniciar logo após a lesão e o uso de imobilizadores
pode ser importante nas demais situações cotidianas no início da
cicatrização.
- O uso de imobilizadores, faixas ou fitas compressivas fora dessas condições não reduz o risco de lesão do LCM.
- Um trabalho de força pode reduzir expressivamente o risco de lesões ligamentares no esporte.
-
A força de todos os músculos deve ser desenvolvida harmonicamente, o
que costuma ser mais efetivo com exercícios de cadeia cinética fechada
como agachamentos.
- Overtraining pode aumentar o risco de lesão.
- Treinamento cruzado pode ser efetivo enquanto o membro operado não puder realizar trabalho.
- Evidências atuais apontam para o treinamento excêntrico como efetivo para reabilitar a capacidade funcional.
- Equilíbrio e pliometria são trabalhados posteriormente.
- O agachamento parece ser o exercício mais efetivo e seguro na reabilitação.
- No agachamento só há solicitação do LCA nos primeiros ângulos do movimento, sendo mais seguro que a caminhada.
- O acompanhamento profissional é indispensável a um bom prognóstico.
Introdução
Os
ligamentos são estruturas protéicas responsáveis por conferir unidade à
estrutura óssea e auxiliar na estabilização das mesmas durante os
nossos movimentos, juntamente com o sistema neuromuscular.
No joelho temos 4 ligamentos importantes:
-
Ligamento cruzado anterior (LCA): liga-se anteriormente à tíbia e tem
função de limitar que a perna se mova para frente do joelho ou gire para
a lateral do corpo (rotação externa)
- Ligamento cruzado posterior (LCP): liga-se posteriormente à tíbia e limita movimentos da perna para trás do joelho
-
Ligamentos colateral medial (LCM) e ligamento colateral lateral (LCL):
Evitam que o joelho flexione para as laterais e seu equilíbrio evita o
joelho varo (pernas em arco aberto) e o joelho valgo (arco fechado).
Lesões
O
Ligamento cruzado anterior (LCA) é um dos ligamentos mais comumente
lesionados no joelho (1) e de difícil regeneração devido a uma
vascularização insuficiente e, talvez, a algumas particularidades nas
células tronco deste tecido que demonstram menor capacidade de formação
de colônias, proliferação e potencial de multidiferenciação em
comparação com outros ligamentos (2). Neste tipo de lesão, além da
ruptura do tecido ligamentar, ocorre derrame, dor e inflamação, fatores
esses que podem vir incapacitar a ativação adequada dos músculos da coxa
(9).
Lesões
nessas estruturas podem ter causas variadas, porém, no esporte é mais
comum ocorrer distensão do LCA e do LCM em decorrência de choques e
giros do tronco sobre o joelho ou quedas (10). Já as lesões de LCP têm
sua grande incidência relacionada a impactos frontais como acidentes
automobilísticos e comumente estão associadas a lesões múltiplas (10).
O
grau da lesão depende da quantidade de fibras rompidas, da luxação
causada pela perda estrutural e da capacidade do ligamento em continuar
estabilizando a estrutura articular. (14). Quando há comprometimento de
mais de um ligamento ou ruptura total, avulsão do mesmo, lesão meniscal a
lesão é considerada grave(14).
Consequências da lesão
Deficiências
no LCA provocam déficits de propriocepção e equilíbrio, diminuição da
força muscular e desempenho funcional, modificações biomecânicas na
perna do joelho lesionado que podem alterar o contato entre cartilagens
provocando deformação (12), além de alterar a sincronia entre o sistema
nervoso e o sistema muscular que envolve o joelho (13), favorecendo
ainda mais a ocorrência de lesões condrais (Condropatias),
sendo a cirurgia altamente recomendada em homens jovens (14). Assim,
com a ruptura do LCA a cartilagem articular sofre um processo de
degeneração articular, relacionados a atividades cíclicas cotidianas
como a caminhada, que em 44% dos casos pode gerar osteoartrose (1).
Vários trabalhos demonstram que se a perda da capacidade funcional
ligamentar for elevada, a ocorrência de condropatias e osteopatias pode
ocorrer no período de alguns anos. Deficiências não graves no LCP em 7
anos tendem a provocar danos articulares (11)
Sabe-se
que os músculos posteriores da coxa (isquiotibiais) ajudam na
estabilização dessa estrutura, porém, se o funcionamento do ligamento
for muito comprometido, a força necessária para os isquiotibiais
estabilizarem o joelho em atividades cotidianas seria elevada, o que
submeteria as estruturas a uma alta compressão diária e por períodos
prolongados, podendo aumentar a degeneração do tecido cartilaginoso
(15).
No
caso cirúrgico, o ligamento é reconstruído através de um enxerto. As
técnicas atualmente mais aceitas são as que utilizam tecidos do próprio
indivíduo como seus tendões. As mais comuns utilizam ou o tendão do
músculo semitendíneo (posterior da coxa) ou o tendão do quadríceps,
sendo este do mesmo joelho ou do joelho contralateral. Até o presente
momento as técnicas com melhor prognóstico são as que utilizam os
tendões dos músculos posteriores da coxa e não há evidências fortes que o
enxerto a partir do tendão patelar promova maior estabilidade à
articulação como prometido (16), além de comprometer em muito a
capacidade funcional, limitando um dos principais músculos da cadeia dos
extensores, o quadríceps, e fragilizar o tendão à partir do qual foi
retirado o enxerto.
Entre as várias técnicas de reconstrução do LCA, as que usam tendões flexores e parafuso transverso de guia rígido se mostra uma técnica cirúrgica segura, de fácil execução, com bons resultados e baixa taxa de complicações. Esse procedi-mento reconstroi o LCA a partir de enxerto dos tendões semitendinoso e grácil quádruplo, reproduzindo uma estrutura semelhante ao LCA capaz de suportar tensões de 4.300N até 4600N enquanto o LCA padrão suporta tensões entre 1725 N á 2169 N (33).
Detalhes
da cirurgia, também são fundamentais a um bom prognóstico como o uso de
materiais de fixação adequados, biodegradáveis ou não, posição adequada
do túnel de inserção e tensão correta no enxerto (14). Assim como a
falta de estabilidade pela lesão pode comprometer a articulação, um
enxerto mal posicionado gerará tensão em direções inadequadas. Um
enxerto frouxo é pouco útil e um enxerto muito tensionado, aumenta a
compressão entre os tecidos e pode limitar movimentos cotidianos e
causar danos futuros.
Ligamento colateral medial
A
decisão sobre cirurgia no LCM é complexa e repleta de variáveis e
depende da frouxidão no ligamento após fortalecimento muscular (17). No
caso de lesão combinada com o LCA, no ato da cirurgia, é testada a
capacidade do LCM com anestesia e avaliada a necessidade de repará-lo,
visto que a reconstrução de ambos os ligamentos pode resultar em perda
da capacidade motora. O que parece ser consenso é a necessidade de
início imediato do trabalho de fortalecimento muscular após a lesão para
preservar as estruturas articulares (17). O uso de imobilizador (fora
da situação de treino) no joelho em situações cotidianas parece ser
importante nas fases iniciais da lesão para evitar que a estrutura
ligamentar já fragilizada sofra uma lesão maior ou que isso comprometa a
regeneração do tecido (17). Porém, o uso de imobilizadores fora dessa
fase aguda, parece não exercer efeito nenhum preventivo no joelho
durante a prática esportiva, o que contraria em muito o senso comum,
visto que é rotineiro o uso de braces, fitas compressivas e enfaixamento de joelhos em esportes, inclusive, na musculação (6,7,8).
Prevenção
Atitudes
preventivas no esporte e na vida diária podem evitar a incidência de
lesões ligamentares. Dois estudos comparativos feitos com atletas
adolescentes do sexo feminino mostraram que a preparação física com
pliometria feita na pré-temporada diminuía em até 88% a chance de lesões
no joelho no futebol (3) e que atletas de vários esportes que não
tinham preparação física tinham 360% mais chance de sofrer lesões não
causadas por impacto (4). Assim, acredita-se que a força, seja
fundamental à estabilidade do joelho (18), estando associada à
velocidade ou não. Outro ponto fundamental é que músculos, mesmo fortes,
mas sem harmonia, também podem ser indicadores de instabilidades e
favorecerem a ocorrência de lesões (19), assim, os exercícios mais
indicados para desenvolver um bom equilíbrio muscular (Grupos musculares)
são os que reproduzem movimentos naturais, como o agachamento e o leg
press, pois há solicitação de todos os músculos que envolvem a
articulação.
O bom uso do planejamento de treino (Treinamento)
é também essencial para evitar lesões. A falta de recuperação muscular,
sujeitos submetidos a cargas altas e prolongadas de treinamento, podem
ser fortes indicativos para uma lesão de uma estrutura saudável ou de
uma já submetida à cirurgia (20).
Reabilitação
É
fato que a capacidade reativa e a força podem ser restabelecidas no pós
operatório e não limitam a reabilitação (32). O treinamento deve
iniciar assim que possível para evitar a perda da mobilidade articular e
a excessiva perda na capacidade neuromuscular. Logo após a cirurgia o
treinamento do membro lesionado, assim como a transferência de peso fica
limitada para não comprometer a regeneração das estruturas operadas, o
que costuma causar grande perda de massa muscular e na condução de
impulsos nervosos. Nesse momento, o mais comum são atividades
fisioterápicas para comprometer menos a mobilidade, porém, o treinamento
do membro inferior não operado, o que é chamado de treinamento cruzado,
pode amenizar a depreciação do sistema neuromuscular (21), podendo ser
combinado com algumas isometrias de extensão e flexão de quadril da
perna operada.
Após
a liberação para apoiar o pé no chão o treinamento deve prosseguir. Há
autores (22) mais conservadores que sugerem isometrias com aumento de
intensidade para depois iniciar trabalhos dinâmicos e por fim utilizar
trabalhos de pliometria e equilíbrio, sendo que a pliometria pode
auxiliar com uma melhor ativação neuromuscular (5). Trabalhos mais
atuais (23) têm sugerido o uso de contrações excêntricas para o ganho de
força. Esse procedimento pode ser mais interessante porque a
recuperação da capacidade funcional é um pouco mais acelerada, reduzindo
dores locais e risco de tendinopatias, principalmente se considerarmos a
perda de amplitude no pós cirúrgico. Assim, o treinamento excêntrico
pode ser utilizado conjuntamente ao trabalho isométrico nos primeiros
momentos, ou até substituí-lo, desde que sejam respeitados os princípios
adaptativos do treinamento como volume e frequência, (overtraining).
A
escolha dos exercícios deve ser cuidadosa e será de fundamental
importância no tratamento. Mesmo sendo comum o uso de exercícios de
cadeia cinética aberta (extensão e flexão de joelho, adução, flexão e
extensão do quadril), movimentos naturais de empurrar, como leg press e
agachamento, chamados exercícios de cadeia cinética fechada são
considerados a parte prioritária do tratamento, podendo ser adicionados
exercícios de cadeia cinética aberta em fases finais de reabilitação
(22). Outros autores (24) também verificaram melhores resultados com
exercícios de cadeia cinética fechada. Esse fato pode ser explicado pelo
trabalho efetivo de todos os músculos que envolvem a articulação,
exercendo funções motoras ou de estabilização (25), assim, é possível
desenvolver a harmonia entre as forças musculares e também é o fator que
confere maior segurança durante o treinamento.
No
caso do LCA, sabe-se há algum tempo que durante o agachamento os
isquiotibiais se contraem conjuntamente ao quadríceps, o que é chamado
de co-contração (26,27). Esse fato impede a anteriorização da tíbia,
estabilizando o joelho. Fato que corrobora com o famoso pesquisador
Rafael Escamilla (28), ao demonstrar que as tensões no LCA durante o
agachamento só são significativas nos ângulos iniciais, sendo essas
tensões menores que na caminhada. Passados os primeiros 60º, não há
sobrecarga do LCA, sendo assim, o aumento da amplitude gradativa no
agachamento pode ser um meio seguro na reabilitação desse ligamento.
Além disso, em amplitudes menores e com cargas mais elevadas, ocorre
maior trabalho do membro não-lesionado (29), podendo ser pouco efetivo
no tratamento do segmento-alvo. Outro motivo para utilizar exercícios de
cadeia fechada é que a frouxidão do LCA pode ser controlada, o que não
ocorre nos exercícios de cadeia aberta (30).
Ligamento cruzado posterior
No
caso do LCP, mesmo com sugestões para o uso de cadeia cinética aberta,
há bons trabalhos demonstrando que o agachamento pode ser efetivo na sua
reabilitação (31), desde que haja cuidado para evitar hiperextensões de
joelho, o que seria, inclusive, contraproducente, visto que em uma
posição de encaixe articular não há tensão muscular suficiente para
promover adaptações musculares adequadas.
VS
Considerações finais
O
treinamento das capacidades de força e equilíbrio é fundamental tanto
na prevenção das lesões de joelho como em seu tratamento, logo, um bom
planejamento de treino pode ser a chave para a preservação articular.
Considerando que velocidade, agilidade e potência são derivados das duas
capacidades citadas, é possível afirmar que sejam elas a base da
intervenção. Porém, um possível erro pode ser o de trabalhá-las de modo
isolado. Exercícios básicos da musculação, como o agachamento, são
melhores para fortalecer todas as estruturas musculares envolvidas no
joelho e no quadril de modo harmônico, devolvendo uma capacidade
funcional adequada de modo mais efetivo que em exercícios de cadeia
aberta. Devido à grande liberdade de movimento, é também adequado para
desenvolver o equilíbrio, evitando quedas e melhorando a percepção dos
movimentos (cinestesia), além de reproduzir um movimento realizado
inúmeras vezes no cotidiano. Ao contrário do que muitos especialistas
pensam, há menor sobrecarga do LCA no agachamento que na caminhada,
assim, todo lesionado que estiver liberado para caminhar, dificilmente
terá qualquer prejuízo com um agachamento, desde que a técnica seja
adequada, fomentando a necessidade de um acompanhamento por um
profissional competente. Um bom trabalho de força no pós lesão e no pós
operatório promovem um melhor prognóstico nas fases seguintes de
reabilitação e para um retorno mais seguro ao esporte, principalmente se
com o mesmo trabalho de força for possível restabelecer boa parte da
propriocepção e equilíbrio. Sendo o agachamento, provavelmente o
exercício mais seguro na reabilitação,é coerente afirmar que deva ser um
exercício chave na prevenção de tais lesões pois é onde ocorre menor
solicitação dos ligamentos, onde é utilizada a menor carga de trabalho,
além de treinar todos os músculos envolvidos nos movimentos de
deslocamento como paravertebrais, abdome e glúteos e não apenas os que
envolvem o joelho, desenvolvendo equilíbrio entre as forças musculares
muito bom, tenho uma lesao ligamentar no lca, e este texto esclareceu minhas duvidas!
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