sábado, 25 de fevereiro de 2012

Lesões ligamentares de joelho: Prevenção e tratamento

Autores: Felipe Nassau, Caito Mohara, Eduardo Gagliardi, Kaio Ferreira, Samuel Costa, André Santos e Tiago Machado
 Resumo em tópicos
- Ligamento cruzado anterior (LCA) é um dos mais comumente lesionados no esporte.
- O tratamento cirúrgico depende do grau de comprometimento da estrutura articular.
- Lesões ligamentares podem induzir a deterioração do tecido cartilagenoso.
- Alteram a sincronia entre o sistema nervoso e o sistema muscular.
- Cirurgias que utilizam tendões dos músculos posteriores da coxa são mais aceitas pela literatura científica.
- Em casos de lesão do Ligamento colateral medial (LCM) é consenso que o treinamento deve iniciar logo após a lesão e o uso de imobilizadores pode ser importante nas demais situações cotidianas no início da cicatrização.
- O uso de imobilizadores, faixas ou fitas compressivas fora dessas condições não reduz o risco de lesão do LCM.
- Um trabalho de força pode reduzir expressivamente o risco de lesões ligamentares no esporte.
- A força de todos os músculos deve ser desenvolvida harmonicamente, o que costuma ser mais efetivo com exercícios de cadeia cinética fechada como agachamentos.
- Overtraining pode aumentar o risco de lesão.
- Treinamento cruzado pode ser efetivo enquanto o membro operado não puder realizar trabalho.
- Evidências atuais apontam para o treinamento excêntrico como efetivo para reabilitar a capacidade funcional.
- Equilíbrio e pliometria são trabalhados posteriormente.
- O agachamento parece ser o exercício mais efetivo e seguro na reabilitação.
- No agachamento só há solicitação do LCA nos primeiros ângulos do movimento, sendo mais seguro que a caminhada.
- O acompanhamento profissional é indispensável a um bom prognóstico.
                                         
Introdução
            Os ligamentos são estruturas protéicas responsáveis por conferir unidade à estrutura óssea e auxiliar na estabilização das mesmas durante os nossos movimentos, juntamente com o sistema neuromuscular.
            No joelho temos 4 ligamentos importantes:
            - Ligamento cruzado anterior (LCA): liga-se anteriormente à tíbia e tem função de limitar que a perna se mova para frente do joelho ou gire para a lateral do corpo (rotação externa)
            - Ligamento cruzado posterior (LCP): liga-se posteriormente à tíbia e limita movimentos da perna para trás do joelho
            - Ligamentos colateral medial (LCM) e ligamento colateral lateral (LCL): Evitam que o joelho flexione para as laterais e seu equilíbrio evita o joelho varo (pernas em arco aberto) e o joelho valgo (arco fechado).
Lesões
            O Ligamento cruzado anterior (LCA) é um dos ligamentos mais comumente lesionados no joelho (1) e de difícil regeneração devido a uma vascularização insuficiente e, talvez, a algumas particularidades nas células tronco deste tecido que demonstram menor capacidade de formação de colônias, proliferação e potencial de multidiferenciação em comparação com outros ligamentos (2). Neste tipo de lesão, além da ruptura do tecido ligamentar, ocorre derrame, dor e inflamação, fatores esses que podem vir incapacitar a ativação adequada dos músculos da coxa (9).
            Lesões nessas estruturas podem ter causas variadas, porém, no esporte é mais comum ocorrer distensão do LCA e do LCM em decorrência de choques e giros do tronco sobre o joelho ou quedas (10). Já as lesões de LCP têm sua grande incidência relacionada a impactos frontais como acidentes automobilísticos e comumente estão associadas a lesões múltiplas (10).
            O grau da lesão depende da quantidade de fibras rompidas, da luxação causada pela perda estrutural e da capacidade do ligamento em continuar estabilizando a estrutura articular. (14). Quando há comprometimento de mais de um ligamento ou ruptura total, avulsão do mesmo, lesão meniscal a lesão é considerada grave(14).
Consequências da lesão
Deficiências no LCA provocam déficits de propriocepção e equilíbrio, diminuição da força muscular e desempenho funcional, modificações biomecânicas na perna do joelho lesionado que podem alterar o contato entre cartilagens provocando deformação (12), além de alterar a sincronia entre o sistema nervoso e o sistema muscular que envolve o joelho (13), favorecendo ainda mais a ocorrência de lesões condrais (Condropatias), sendo a cirurgia altamente recomendada em homens jovens (14). Assim, com a ruptura do LCA a cartilagem articular sofre um processo de degeneração articular, relacionados a atividades cíclicas cotidianas como a caminhada, que em 44% dos casos pode gerar osteoartrose (1). Vários trabalhos demonstram que se a perda da capacidade funcional ligamentar for elevada, a ocorrência de condropatias e osteopatias pode ocorrer no período de alguns anos. Deficiências não graves no LCP em 7 anos tendem a provocar danos articulares (11)
Sabe-se que os músculos posteriores da coxa (isquiotibiais) ajudam na estabilização dessa estrutura, porém, se o funcionamento do ligamento for muito comprometido, a força necessária para os isquiotibiais estabilizarem o joelho em atividades cotidianas seria elevada, o que submeteria as estruturas a uma alta compressão diária e por períodos prolongados, podendo aumentar a degeneração do tecido cartilaginoso (15).
No caso cirúrgico, o ligamento é reconstruído através de um enxerto. As técnicas atualmente mais aceitas são as que utilizam tecidos do próprio indivíduo como seus tendões. As mais comuns utilizam ou o tendão do músculo semitendíneo (posterior da coxa) ou o tendão do quadríceps, sendo este do mesmo joelho ou do joelho contralateral. Até o presente momento as técnicas com melhor prognóstico são as que utilizam os tendões dos músculos posteriores da coxa e não há evidências fortes que o enxerto a partir do tendão patelar promova maior estabilidade à articulação como prometido (16), além de comprometer em muito a capacidade funcional, limitando um dos principais músculos da cadeia dos extensores, o quadríceps, e fragilizar o tendão à partir do qual foi retirado o enxerto.
Entre as várias técnicas de reconstrução do LCA, as que usam tendões flexores e parafuso transverso de guia rígido se mostra uma técnica cirúrgica segura, de fácil execução, com bons resultados e baixa taxa de complicações.            Esse procedi-mento reconstroi o LCA  a partir de enxerto dos tendões semitendinoso e grácil quádruplo, reproduzindo uma estrutura semelhante ao LCA capaz de suportar  tensões de 4.300N até 4600N enquanto o LCA  padrão suporta tensões entre 1725 N á 2169 N (33).
Detalhes da cirurgia, também são fundamentais a um bom prognóstico como o uso de materiais de fixação adequados, biodegradáveis ou não, posição adequada do túnel de inserção e tensão correta no enxerto (14). Assim como a falta de estabilidade pela lesão pode comprometer a articulação, um enxerto mal posicionado gerará tensão em direções inadequadas. Um enxerto frouxo é pouco útil e um enxerto muito tensionado, aumenta a compressão entre os tecidos e pode limitar movimentos cotidianos e causar danos futuros.
Ligamento colateral medial
            A decisão sobre cirurgia no LCM é complexa e repleta de variáveis e depende da frouxidão no ligamento após fortalecimento muscular (17). No caso de lesão combinada com o LCA, no ato da cirurgia, é testada a capacidade do LCM com anestesia e avaliada a necessidade de repará-lo, visto que a reconstrução de ambos os ligamentos pode resultar em perda da capacidade motora. O que parece ser consenso é a necessidade de início imediato do trabalho de fortalecimento muscular após a lesão para preservar as estruturas articulares (17). O uso de imobilizador (fora da situação de treino) no joelho em situações cotidianas parece ser importante nas fases iniciais da lesão para evitar que a estrutura ligamentar já fragilizada sofra uma lesão maior ou que isso comprometa a regeneração do tecido (17). Porém, o uso de imobilizadores fora dessa fase aguda, parece não exercer efeito nenhum preventivo no joelho durante a prática esportiva, o que contraria em muito o senso comum, visto que é rotineiro o uso de braces, fitas compressivas e enfaixamento de joelhos em esportes, inclusive, na musculação (6,7,8).
                            
Prevenção
Atitudes preventivas no esporte e na vida diária podem evitar a incidência de lesões ligamentares. Dois estudos comparativos feitos com atletas adolescentes do sexo feminino mostraram que a preparação física com pliometria feita na pré-temporada diminuía em até 88% a chance de lesões no joelho no futebol (3) e que atletas de vários esportes que não tinham preparação física tinham 360% mais chance de sofrer lesões não causadas por impacto (4). Assim, acredita-se que a força, seja fundamental à estabilidade do joelho (18), estando associada à velocidade ou não. Outro ponto fundamental é que músculos, mesmo fortes, mas sem harmonia, também podem ser indicadores de instabilidades e favorecerem a ocorrência de lesões (19), assim, os exercícios mais indicados para desenvolver um bom equilíbrio muscular (Grupos musculares) são os que reproduzem movimentos naturais, como o agachamento e o leg press, pois há solicitação de todos os músculos que envolvem a articulação.
            O bom uso do planejamento de treino (Treinamento) é também essencial para evitar lesões. A falta de recuperação muscular, sujeitos submetidos a cargas altas e prolongadas de treinamento, podem ser fortes indicativos para uma lesão de uma estrutura saudável ou de uma já submetida à cirurgia (20).
Reabilitação
            É fato que a capacidade reativa e a força podem ser restabelecidas no pós operatório e não limitam a reabilitação (32). O treinamento deve iniciar assim que possível para evitar a perda da mobilidade articular e a excessiva perda na capacidade neuromuscular. Logo após a cirurgia o treinamento do membro lesionado, assim como a transferência de peso fica limitada para não comprometer a regeneração das estruturas operadas, o que costuma causar grande perda de massa muscular e na condução de impulsos nervosos. Nesse momento, o mais comum são atividades fisioterápicas para comprometer menos a mobilidade, porém, o treinamento do membro inferior não operado, o que é chamado de treinamento cruzado, pode amenizar a depreciação do sistema neuromuscular (21), podendo ser combinado com algumas isometrias de extensão e flexão de quadril da perna operada.
            Após a liberação para apoiar o pé no chão o treinamento deve prosseguir. Há autores (22) mais conservadores que sugerem isometrias com aumento de intensidade para depois iniciar trabalhos dinâmicos e por fim utilizar trabalhos de pliometria e equilíbrio, sendo que a pliometria pode auxiliar com uma melhor ativação neuromuscular (5). Trabalhos mais atuais (23) têm sugerido o uso de contrações excêntricas para o ganho de força. Esse procedimento pode ser mais interessante porque a recuperação da capacidade funcional é um pouco mais acelerada, reduzindo dores locais e risco de tendinopatias, principalmente se considerarmos a perda de amplitude no pós cirúrgico. Assim, o treinamento excêntrico pode ser utilizado conjuntamente ao trabalho isométrico nos primeiros momentos, ou até substituí-lo, desde que sejam respeitados os princípios adaptativos do treinamento como volume e frequência, (overtraining).
            A escolha dos exercícios deve ser cuidadosa e será de fundamental importância no tratamento. Mesmo sendo comum o uso de exercícios de cadeia cinética aberta (extensão e flexão de joelho, adução, flexão e extensão do quadril), movimentos naturais de empurrar, como leg press e agachamento, chamados exercícios de cadeia cinética fechada são considerados a parte prioritária do tratamento, podendo ser adicionados exercícios de cadeia cinética aberta em fases finais de reabilitação (22). Outros autores (24) também verificaram melhores resultados com exercícios de cadeia cinética fechada. Esse fato pode ser explicado pelo trabalho efetivo de todos os músculos que envolvem a articulação, exercendo funções motoras ou de estabilização (25), assim, é possível desenvolver a harmonia entre as forças musculares e também é o fator que confere maior segurança durante o treinamento.
            No caso do LCA, sabe-se há algum tempo que durante o agachamento os isquiotibiais se contraem conjuntamente ao quadríceps, o que é chamado de co-contração (26,27). Esse fato impede a anteriorização da tíbia, estabilizando o joelho. Fato que corrobora com o famoso pesquisador Rafael Escamilla (28), ao demonstrar que as tensões no LCA durante o agachamento só são significativas nos ângulos iniciais, sendo essas tensões menores que na caminhada. Passados os primeiros 60º, não há sobrecarga do LCA, sendo assim, o aumento da amplitude gradativa no agachamento pode ser um meio seguro na reabilitação desse ligamento. Além disso, em amplitudes menores e com cargas mais elevadas, ocorre maior trabalho do membro não-lesionado (29), podendo ser pouco efetivo no tratamento do segmento-alvo. Outro motivo para utilizar exercícios de cadeia fechada é que a frouxidão do LCA pode ser controlada, o que não ocorre nos exercícios de cadeia aberta (30).
Ligamento cruzado posterior
            No caso do LCP, mesmo com sugestões para o uso de cadeia cinética aberta, há bons trabalhos demonstrando que o agachamento pode ser efetivo na sua reabilitação (31), desde que haja cuidado para evitar hiperextensões de joelho, o que seria, inclusive, contraproducente, visto que em uma posição de encaixe articular não há tensão muscular suficiente para promover adaptações musculares adequadas.
            VS       
Considerações finais
O treinamento das capacidades de força e equilíbrio é fundamental tanto na prevenção das lesões de joelho como em seu tratamento, logo, um bom planejamento de treino pode ser a chave para a preservação articular. Considerando que velocidade, agilidade e potência são derivados das duas capacidades citadas, é possível afirmar que sejam elas a base da intervenção. Porém, um possível erro pode ser o de trabalhá-las de modo isolado. Exercícios básicos da musculação, como o agachamento, são melhores para fortalecer todas as estruturas musculares envolvidas no joelho e no quadril de modo harmônico, devolvendo uma capacidade funcional adequada de modo mais efetivo que em exercícios de cadeia aberta. Devido à grande liberdade de movimento, é também adequado para desenvolver o equilíbrio, evitando quedas e melhorando a percepção dos movimentos (cinestesia), além de reproduzir um movimento realizado inúmeras vezes no cotidiano. Ao contrário do que muitos especialistas pensam, há menor sobrecarga do LCA no agachamento que na caminhada, assim, todo lesionado que estiver liberado para caminhar, dificilmente terá qualquer prejuízo com um agachamento, desde que a técnica seja adequada, fomentando a necessidade de um acompanhamento por um profissional competente. Um bom trabalho de força no pós lesão e no pós operatório promovem um melhor prognóstico nas fases seguintes de reabilitação e para um retorno mais seguro ao esporte, principalmente se com o mesmo trabalho de força for possível restabelecer boa parte da propriocepção e equilíbrio. Sendo o agachamento, provavelmente o exercício mais seguro na reabilitação,é coerente afirmar que deva ser um exercício chave na prevenção de tais lesões pois é onde ocorre menor solicitação dos ligamentos, onde é utilizada a menor carga de trabalho, além de treinar todos os músculos envolvidos nos movimentos de deslocamento como paravertebrais, abdome e glúteos e não apenas os que envolvem o joelho, desenvolvendo equilíbrio entre as forças musculares

Um comentário:

  1. muito bom, tenho uma lesao ligamentar no lca, e este texto esclareceu minhas duvidas!

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